Imitar folhas, galhos ou pedras é uma das estratégias de camuflagem mais eficientes, mas limita movimentos e espaços onde viver
- Camuflagem
Nas florestas do Japão, a aranha Cyclosa ginnaga consegue escapar mais facilmente dos predadores quando tece um anel de seda em torno de seu corpoHarum.koh
Estudada há mais de 200 anos, a camuflagem ajuda os animais a despistar predadores, a ganhar sobrevida e, com sorte, a se reproduzir antes de serem abocanhados por outros maiores. Entre as várias estratégias de passar despercebido selecionadas pela evolução, a mais eficaz consiste em imitar elementos da paisagem como folhas, galhos e pedras, segundo estudo publicado em setembro na revista Proceedings of the Royal Society B. Os predadores gastam quase três vezes mais tempo em busca de presas que adotam esse tipo de dissimulação, chamada de mascaramento, do que com animais sem nenhum tipo de disfarce.
“Os animais camuflados aumentaram em 63% o tempo de procura dos predadores e diminuíram em 27% o número de ataques”, relata o biólogo João Vitor de Alcantara Viana, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor principal do estudo. No mascaramento, o predador consegue detectar a presa em forma de pedra ou galho, mas não a reconhece como um possível lanche, desde que ela fique praticamente imóvel. Um exemplo é a aranha Cyclosa ginnaga, que vive nas florestas do Japão e tece um anel de seda em torno de seu corpo esbranquiçado. Desse modo, fica parecida com fezes de pássaros da região, pouco atrativas mesmo para animais esfomeados, conforme descrito em 2014 na Scientific Reports.
“Além de simularem cores e formas do ambiente, os animais que adotam essa estratégia têm de adaptar seus comportamentos”, comenta Viana. Algumas espécies de aranhas japonesas, por exemplo, se movem lentamente, de modo a não chamar a atenção das aves predadoras. Segundo o pesquisador, por causa da limitação de movimento e da necessidade de viver entre os elementos da paisagem que imitam, o mascaramento, ainda que muito eficiente, é mais raro que as outras estratégias de camuflagem.
Para comparar a eficácia da camuflagem dos animais, Viana examinou 84 artigos científicos publicados de 1900 a 2022 que testavam pelo menos uma estratégia de disfarce. Dada a dificuldade de fazer experimentos na natureza, a maioria dos estudos consistiu em simulações de laboratório. No papel do predador eram usadas pessoas, aves ou peixes que procuravam larvas de insetos vivas ou modelos artificiais com ou sem camuflagem. Também foram empregados jogos de computador manipulados por humanos, que simulavam a caça na natureza.
Pascal DuboisAs mariposas Biston betularia que se tornaram escuras como os troncos de árvores cobertos pela fuligem produzida pelas fábricas no início da Revolução Industrial no Reino Unido predominaram sobre as mais claras, reconhecidas mais facilmente pelos predadoresPascal Dubois
Viana concluiu que a presa camuflada conseguiu enganar os diversos predadores usados nos experimentos e simulações. Mas a eficiência da camuflagem depende do tipo de presa: o disfarce das lagartas da mariposa Tetracis crocallata, que vivem na América do Norte e se parecem muito com um toco de galho, é bem mais eficiente do que o da sua versão metamorfoseada. “Os insetos adultos têm outras estratégias de fuga, como simplesmente voar”, ressalta.
Ilusão de óptica
Outra estratégia estudada foi a chamada coloração disruptiva, como os padrões e listras contrastantes, que dificultam a visualização dos contornos do animal. É o caso da zebra (Equus quagga). Suas listras fazem com que cada animal se confunda com as savanas ou, quando a manada se movimenta, dificultam o ataque do predador. Ao mesmo tempo, como indicado por um grupo da Austrália e da Inglaterra em 2013 na Zoology, as faixas deixam as moscas transmissoras de doenças atrapalhadas na hora de pousar, já que não associam a cor preta aos animais.
Exibir grandes círculos parecidos com olhos nas asas, como a borboleta-coruja (Caligo sp.), típica da Mata Atlântica, não é vista pelos especialistas como uma estratégia de camuflagem que possa aumentar o tempo de procura dos predadores. Para Viana, porém, as manchas poderiam induzir os predadores a atacar regiões não letais do corpo, afastando-os da cabeça, de modo que a presa escapasse viva, ainda que desmembrada.
“Não é fácil comparar diversas estratégias diferentes de camuflagem, porque presas e predadores estabelecem relações próprias entre eles, selecionadas evolutivamente”, diz o biólogo Alexandre Palaoro, especialista em lutas animais em estágio de pós-doutorado na Universidade Clemson, nos Estados Unidos, que não participou do estudo. “Entre os animais, a cor pode ser um trunfo na disputa por comida, território ou parceiros sexuais.”
Bart WurstenAs listras das zebras ajudam a espantar predadores e insetos transmissores de doenças Bart Wursten
Quem tem o corpo todo vermelho, por exemplo, pode parecer mais forte ou maior diante do oponente, com mais chances de afugentá-lo do que quem for amarelo-pálido. “Antes de se atracarem, os animais fazem algum tipo de demonstração de força, o que por si só já resolve muitos conflitos antes mesmo de começar a briga”, diz Palaoro, autor de um estudo sobre armas e estilos de luta entre animais publicado em julho na revista Biological Reviews.
Viana fez experimentos no Cerrado com mariposas escuras nas regiões de queimada, que se ocultavam no tronco preto das árvores. No século XIX, durante a Revolução Industrial no Reino Unido, o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) propôs um exemplo clássico de seleção natural: as mariposas Biston betularia que se tornaram escuras como os troncos de árvores cobertos pela fuligem produzida pelas fábricas predominaram sobre as mais claras, reconhecidas mais facilmente pelos predadores. Até então, as mais claras é que se camuflavam sobre os liquens esbranquiçados, eliminados pela poluição crescente.
Assim que possível, Viana pretende ver se aos predadores também convém parecer invisíveis, o que poderia permitir a captura da presa rapidamente. O corpo dos tigres, por exemplo, expõe padrões de cores que dificultam sua visualização pelos animais. A ponta da cauda de algumas serpentes tem uma estrutura parecida com uma minhoca que atrai as aves: quando a ave tenta bicar o que parece uma minhoca, facilmente vira refeição. Algumas aranhas têm a cor das flores que habitam e esperam as abelhas buscar o néctar para atacá-las.
Projetos
1. Evolução de fluorescência, camuflagem e comportamentos em aranhas Thomisidae sobre flores (nº 10/51523-5); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisador responsável Gustavo Quevedo Romero (Unicamp); Beneficiária Camila Vieira Curti; Investimento R$ 158.071,00.
2. Adaptando-se a um mundo em mudança: Como a variabilidade no risco de predação e na disponibilidade de novos hábitats afeta a capacidade de mudança de cor e camuflagem em camarões-camaleão (Hippolyte varians)? (nº 22/00946-0); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado; Pesquisador responsável Gustavo Muniz Dias (UFABC); Beneficiário Rafael Campos Duarte; Investimento R$ 258.216,51.
Artigos científicos
LIU, M.-H. et al. Evidence of bird dropping masquerading by a spider to avoid predators. Scientific Reports. v. 4, 5058. 29 mai. 2014.
PALAORO, A. V. et al. The hidden links between animal weapons, fighting style, and their effect on contest success: A meta-analysis. Biological Reviews. v. 97, n. 5, p. 1948-66. 4 jul. 2022.
VIANA, J. V. de A. et al. Predator responses to prey camouflage strategies: A meta-analysis. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. v. 289, n. 1982. p. 1-8. 14 set. 2022.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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